#CearádeAtitudeEspecial – Três noites na Casa dos Horrores: a resistência de Valter Pinheiro
22 de agosto de 2016 - 19:05 #Casa dos Horrores #direitos humanos #ditadura #ditadura militar #história #história do Brasil #Maranguape #Polícia Federal #resistência #tortura #Valter Pinheiro #vítima
Neste mês da anistia, a série Ceará de Atitude vai contar a história de quatro cearenses que sobreviveram à prisão e à tortura durante a ditadura militar. Serão cinco matérias e quatro mini-documentários, que vão ser exibidos pela TVC a partir de hoje, no especial “Memória e Verdade”. Todo o material também vai estar disponível nos canais do Governo do Ceará, na internet. A produção é uma parceria da Coordenadoria de Imprensa da Casa Civil e da Coordenadoria de Direitos Humanos, do Governo do Ceará, com a TVC. Nesta primeira matéria, vamos contar a trajetória de Valter Pinheiro, cearense que foi torturado na chamada “Casa dos Horrores”, em Maranguape.
“A gente não esquece de jeito nenhum. A gente pode viver 100 anos, mas aqueles momentos não saem da nossa cabeça”. Valter Pinheiro, hoje professor aposentado de 72 anos, lembra com riqueza de detalhes os 30 dias vividos na então sede da Polícia Federal em Fortaleza, 43 anos depois da prisão. Sequestrado pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), Pinheiro foi encapuzado e levado para o prédio da PF. “Tinha hippie, narcotraficante, vários presos. No dia seguinte, fui para outra cela, onde fiquei um mês isolado”, conta. A “solitária” de Valter Pinheiro hoje abriga o Memorial da Resistência, localizado no prédio da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Fortaleza (Secultfor), no centro de Fortaleza.
Sem contato com ninguém, ele lembra que ouvia vozes e sabia que havia um companheiro do Movimento Comunista Internacionalista (MCI) em uma cela próxima. “Quando eu cheguei, ele fazia gestos de que havia sido torturado. Comecei a me preparar. Eu sabia que, naquela época, quem era sequestrado era torturado”. O destino de Pinheiro, de fato, seria esse. Durante três noites, sempre entre dez horas e meia noite, foi levado para outro lugar que, pela distância, parecia ser fora de Fortaleza. “De dia, eles faziam interrogatório e me ameaçavam, diziam que iam me torturar. À noite, me levavam para um lugar que depois soubemos que era a Casa dos Horrores, em Maranguape, que era a câmara de tortura da Polícia Federal”. No local, citado no livro “Brasil Nunca Mais” (Ed. Vozes, 1985) como um dos piores “aparelhos da repressão”, Valter Pinheiro foi despido e amarrado. “Eles amarravam minhas mãos e meus pés e colocavam eletrodos. Levei choques nos lóbulos das orelhas, na língua, nos mamilos, no pênis e nos testículos. Como eu não dizia nada, eles aumentavam a carga elétrica. Eles sabiam que eu era recém-casado e me ameaçavam: ou sairia morto ou castrado”. A tortura psicológica era outra forma de forçar a delação. “Eles fingiram uma castração com gelo e analgésicos porque eu não dizia nada. Eu não sentia mais nada e acredito que desmaiei. Acordei na cela, novamente no prédio da Polícia Federal”. Pinheiro também lembra do algoz. “Eu reconheci a voz do delegado João Batista Xavier. Ele sempre pedia para ser chamado de doutor. Ele disse a mesma coisa na tortura e eu reconheci a voz”.
Depois de um mês preso, foi liberado por falta de provas e não foi denunciado. No entanto, as marcas daqueles dias permaneceram. “Fiquei muito tempo apavorado. Para mim, eu estava sempre sendo seguido. Fica o terror na cabeça da gente. Fiz tratamento psiquiátrico”, conta.
Militância política
Filho e neto de trabalhadores rurais de Brejo Santo e Iguatu, Valter Pinheiro estudou no Liceu do Ceará, em Fortaleza, onde iniciou a militância política. Após o golpe “nazi-fascista com a ditadura civil-militar”, em 1964, ele conheceu Frei Tito, que era coordenador regional da Juventude Estudantil Católica (JEC). “Era um movimento político muito ativo. Frei Tito organizava passeatas, movimentos, atividades políticas”, lembra.
Quando terminou os estudos no Liceu, fez vestibular para a Faculdade de Filosofia do Ceará, onde hoje funciona o Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará (Uece). De dia, ele trabalhava no Banco da Bahia e, à noite, estudava Letras. “Nessa época, entrei em contato com a literatura marxista e rompi com a Igreja. No banco, entrei no Movimento Comunista Internacionalista (MCI). Rompi em 1970 e entrei para o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), que era luta armada. A gente fazia comícios-relâmpago em todos os lugares e pichamentos políticos”.
Em 1971, foi preso pela primeira vez, com a “queda” (prisão) de alguns companheiros. “Fui apontado por um deles, por sinal um adolescente. Meu nome foi citado e fui preso pelo Dops. Fui levado para o 23 BC, mas não tinha muita coisa a meu respeito. Eu já tinha tirado documentos na véspera porque havia sido avisado, mas, na madrugada, fui levado”.
“Nem sempre a tortura dava certo.
Alguns resistiam, outros não.
Eu consegui resistir”.
Julgamento
Apesar da tortura, Valter Pinheiro não delatou os companheiros de militância nem foi indiciado. Mas, após ser solto, foi procurado pela Polícia Federal na véspera do julgamento de outros militantes. “Como era comum, a Polícia Federal me procurou querendo fazer acordo. Eu havia perdido meu emprego e eles me prometiam restituí-lo se eu denunciasse alguém. Achei que era o momento de me pronunciar e aceitei. Na audiência, eu não disse nada sobre eles, mas contei que fui torturado”.
Com o apoio da advogada Wanda Sidou que atuou, gratuitamente, na defesa de diversos presos políticos da época – e que hoje dá nome à Comissão Especial de Anistia da Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado -, todos os denunciados foram liberados.
22.08.2016
Wania Caldas