O jovem que descobriu o poder transformador do cinema no Porto Iracema das Artes
30 de novembro de 2017 - 18:41 #Ceará de Atitude #cinema #cultura #porto iracema das artes
Thiago Sampaio - Repórter
Davi Pinheiro - Fotógrafo
Neste mês de novembro, a série especial Ceará de Atitude conta a história de Esaú Barbosa, um jovem cineasta que dirigiu o premiado curta-metragem “Ao Mar”
Uma mulher. Uma câmera em movimento e paletas de azuis que simbolizam o mar. Um grito de medo e, ao mesmo tempo, libertação. Toda essa subjetividade está presente nos segundos iniciais do curta-metragem “Ao Mar”, dirigido por Esaú Pereira Barbosa. Mas até um passado recente, o jovem cearense de apenas 22 anos que havia terminado o Ensino Médio no Colégio Estadual Liceu do Ceará, não havia descoberto o poder que o cinema tem de materializar histórias e sentimentos. E foi no Porto Iracema das Artes que ele descobriu a vocação, num cotidiano que ele aprendeu a transpor para a sua obra a importância dos valores da própria terra.
O estilo alternativo e as gírias não escondem a juventude, que carrega toda a inquietude, a vontade de se encontrar no mundo. Para isso, teve que abdicar do conforto do lar. “O interesse por tudo surgiu participando em um coletivo cultural em que morei por dois anos. Eu tinha acabado de sair do Ensino Médio, queria trabalhar e tinha toda aquela ‘parada’ juvenil de sempre querer algo mais. Saí do emprego de antes, fui morar lá, era um galpão grande em que cada um levava o seu colchão. Rolou todo um drama familiar, mas foi necessário para o que eu alcancei hoje”, conta ele.
Lá, fazia um pouco de tudo. Mídias sociais, fotografia, produção de eventos. Até porque, como ele diz, “quando se está num coletivo você tem que estar a fim de fazer qualquer coisa e o bom é que tem pessoas para ensinar”. Nesse meio, ficou conhecendo a existência do Porto Iracema. “E nessa onda toda de querer conhecimento, de trabalhar com cultura, para um jovem que sai de escola pública, que não sabe que tem a disposição todos esses equipamentos, eu fiquei curioso. Perguntei: ‘Como é? É de graça?'”.
Inscreveu-se, então, no curso de Quadrinhos e Fotografia. Mas faltava algo que sempre fez parte da sua rotina: movimento. “Sempre gostei de usar tudo que a câmera tinha. Então resolvi fazer um estágio no audiovisual. No começo pensei: ‘Meu Deus, o que é isso?’. Quanto mais você estuda, mais você descobre, pois o movimento não está só na câmera, ele está em todo canto, na luz, na montagem. E o Porto me proporcionou descobrir isso”.
Durante os três anos em que estudou no Porto, surgiu uma proximidade com moradores do Poço da Draga, nas proximidades do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. E ali, junto com os amigos, viu que existem histórias, atores da vida real que dariam um filme. “Quando surgiu a oportunidade de fazer um curta, a comunidade nos chamava muito a atenção. É um grande polo audiovisual. Já tínhamos na cabeça a função de cada um, mas o roteiro estava para ser feito e muita coisa surgiu no set. (O filme) É sobre uma moça que tem medo do mar, mas tem o sonho de ser pescadora, o avô dela é pescador. Tudo isso se remetia às pessoas de lá, pessoas que têm medo de ir, mas gostam de pertencer àquele local. Eles têm orgulho de dizer ‘eu sou do Poço da Draga'”.
O filme
O curta-metragem “Ao Mar” foi uma produção do programa Preamar, do Porto Iracema das Artes, que existe desde 2015, em que os alunos dos cursos básicos de audiovisual produzem com todo o apoio da escola (logístico, de formação, equipamentos, edição, etc). O termo preamar, inclusive, surgiu como um simbolismo para o ponto de ebulição de uma onda. Etapa que pode muito bem ser assimiladas aos jovens como Esaú, que passam para uma nova fase na vida: da prática.
E rapidamente vieram os resultados. “Ao Mar” concorreu em 2017 no Cine Ceará ao Troféu Mucuripe, concedido ao Melhor Curta-Metragem da Mostra Olhar do Ceará, ficou em terceiro lugar no Júri Popular no Cine Congo, Festival Audiovisual da Paraíba, e está inscrito em diversos outros festivais. “Como o filme cresceu, onde ele chegou, ver as pessoas dizendo que assistiram e gostaram, acho que minha ficha ainda nem caiu. Esse produto que a gente criou se tornou algo que a gente nem imaginava. Era coisa bem de aluno, fazíamos despretensiosamente. Quando ele passou no Cine Ceará, numa tela de cinema, eu não estava acreditando. Antes eu só via na tela pequena de edição. Quando vi o primeiro plano, uma coisa bem lúdica, eu pensei ‘a gente chegou'”.
O curta-metragem, apesar de ser uma ficção, é um retrato subjetivo da vida de inúmeros cearenses cheios de sonhos e medos. E quase todo jovem cineasta sonha em voos altos e quem sabe até ir para Hollywood. Mas como um realizador cauteloso, Esaú procura aperfeiçoar o plano atual, antes de cortar para a próxima cena. “Eu gosto de pensar no que é possível. Eu tenho vontade de roteirizar, dirigir mais um filme, cada dia mais fazer coisas que importa para as pessoas. Conversamos com as pessoas e procuramos saber aonde ela quer chegar. Minha ambição é acordar no outro dia e fazer a ambição daquela pessoa se tornar real”.
E Esaú não esconde o carinho pelo Porto Iracema das Artes. “As pessoas têm que procurar um equipamento, em Fortaleza temos vários, como o Porto Iracema, a Vila das Artes. Temos que saber que temos uma cultura linda, tudo isso em nossas mãos. Não estou dizendo que é fácil, que vai ganhar dinheiro rápido, mas que a pessoa pode encontrar um caminho, como eu encontrei. Se aquilo é ‘massa’ pra você, por que não tentar? E se gostar, por que não continuar? O Porto Iracema é um grande pai, um grande amigo. Que me empurrou, me segurou, me ensinou o que é certo, errado. Posso resumir em uma palavra: oportunidade. Ele deu muitas e agora é insistir, ir atrás e se comunicar. A comunicação que tive aqui foi sem igual. As pessoas que sorriem pra mim aqui me ensinam e me inspiram todos os dias”, disse.
Ceará Filmes
O governador Camilo Santana lançou, no dia 9 de maio de 2017, no cinema do Centro Dragão do Mar, o “Ceará Filmes – Programa Estadual de Desenvolvimento do Audiovisual e da Arte e Cultura Digital”, cujo objetivo é ampliar a política para o audiovisual e a cultura digital cearense, com investimento de R$ 59,5 milhões, abrangendo ações de 2016 e 2017, da Agência Nacional do Cinema (Ancine) e do Governo do Ceará.
Dividido em sete eixos – Produção, Distribuição, Exibição, Preservação, Formação, Rede Institucional e Legislação –, o programa se estrutura a partir de ações concretas advindas do diálogo integrador entre a Secult e os diversos agentes atuantes no audiovisual cearense: empresas produtoras, distribuidoras e exibidoras; associações, sindicatos e demais entidades de classe; escolas e universidades públicas e privadas; rede pública e privada de TV, além de instâncias governamentais.
A criação da Rede Cearense de Exibição também faz parte do Programa, consistindo em um circuito público de exibição comercial e cultural, com 13 complexos de cinema e um total de 23 salas (incluindo 10 no interior) voltadas para a diversidade estética, artística e cultural da sétima arte, com ênfase na produção brasileira – em especial a cearense – e na formação de público.