Série Novos Sertões: o Semiárido contado por sua gente – Parte II

17 de abril de 2018 - 15:59 # # # #

Aécio Santiago e Edlilmo Gurgel - Assessoria de Comunicação Ematerce

Na primeira série se reportagens em 2016, a equipe de Comunicação da Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA) publicou uma série de reportagens sobre as inovações e como o produtor rural enfrentava seis anos de estiagem em plena produção. Agora, em 2018, a equipe de Comunicação da Ematerce vai percorrer dezenas de municípios identificando como essas inovações vem fazendo a diferença a partir da assistência técnica e extensão rural e os mecanismos usados para driblar as dificuldades, agora com uma quadra chuvosa bem mais promissora.

Foram mais de cinco mil quilômetros percorridos entre o Sertão Central, Cariri, Cariri Oeste, Ibiapaba, Região Norte, Sertão Centro Sul e Vale do Jaguaribe. Apesar de diferentes cultivares e tecnologias usadas pelo sertanejo, a série mostra algo em comum: a força da mulher e sua participação cada vez maior no cenário da economia rural e a determinação de produtores, que buscam alternativas e conhecimento para continuar produzindo com qualidade, de forma compartilhada, competitiva e sustentável. São histórias com lições de vida, de luta e conquistas pelos “novos sertões, que o leitor vai conferir e se encantar.

Dizer que a história de Antônio Malaquias dos Santos, 59, é de desafios e superação seria correto mas, ao mesmo tempo, quase simplório. A trajetória de vida e de trabalho de “Seu Malagueta”, como é carinhosamente conhecido na comunidade Agrestinho Barra Sabão, zona rural do município de Porteiras, região do Cariri Leste cearense, 530 quilômetros de Fortaleza, é amor à vocação e a uma identidade de vida. Amor à agricultura e uma identidade de lutas, pela qual é forjada a grande maioria dos produtores rurais cearenses.

Hoje Malagueta produz nos 5,4 hectares de sua propriedade melancia, Jerimun, banana, macaxeira, feijão, mamão e goiaba irrigadas por microasperção, a partir de um poço com vazão de 30 mil litros/hora. “Quando comecei com as bananas aqui nessa região onde passava um riacho todo mundo ficava brincando e dizendo que eu tava maluco, que não ia dá certo. Hoje tá aqui oh ! Tem pé que tá me dando uma penca de 150 a 200 bananas e é somente a primeira leva”, diz orgulhoso o produtor, enfatizando que não usa nada de agrotóxico; apenas defensivo orgânico produzido com elementos da própria natureza como esterco e urina bovinos, planta nim e folhas secas.

Antes de começar a entrevista fomos “avisados” da difícil história de sua superação do alcoolismo iniciada um pouco depois da perda do pai, aos 21 anos. Antes que pudéssemos perguntar algo sobre o assunto, ele se adianta. “Eu vivia uma vida de desmantelo, de depravação mesmo. Se não fosse essa mulher aqui, eu não sei o que seria de mim”, fala Malagueta sendo já repreendido aos risos acanhados pela esposa, a agricultora Núbia Vasconcelos, 55 anos, de que “não precisava falar disso”. O homem magrelo, caboclo de cabelo grisalho, sorriso de cantinho de boca e forte nas palavras, não hesita. “Foi assim mesmo, tem que contar tudo”, diz Malagueta.

Malagueta começou trabalhando nas terras de outros produtores e chegou a receber como pagamento “taco de fumo”. Núbia começa a rir novamente com a desinibição do esposo contando sua trajetória. Atualmente, vem trabalhador de municípios vizinhos do estado pernambucano para trabalhar na roça da macaxeira ou o feijão de Malagueta. “Comprei tudo isso como o trabalho de 18 tarefas que fazia nas terras do Bento Rozeno”, explica Malagueta.

Com os R$ 12 mil financiados pelo Banco do Nordeste (BNB), a partir de projeto elaborado pela equipe técnica da Ematerce, foi realizada a escavação de uma cacimba e produção e produção do feijão irrigado. Com isso, o agricultor vem somando conquistas e atualmente, além de comercializar para a feira local, já vende jerimun e feijão para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) desde 2017. São sete mil quilos de feijão vendidos para o programa.

Com o cacimbão fechado por um acidente na elevação da estrutura, o poço atende a todas as necessidades do agricultor. As terras adquiridas trabalhando no roçado de um proprietário local, foram fruto de um trabalho de oito anos numa parceria de quase 40 anos com a esposa.

O sinal de amor e gratidão pela mulher é uma prova da transformação de como a terra bem trabalhada, cuidada, zelada, pode render bons resultados e muito mais ao agricultor familiar, ainda que com poucos recursos financeiros. Na hora de mostrar o pequeno criatório suíno com quatro matrizes, um reprodutor e alguns animais já prontos para a comercialização, Malagueta vai revelando a alegria de ter criado algumas saídas para pequenas situações do dia a dia como o berçário para os bacurins e o equipamento para mistura de ração, onde inventou uma base de cimento onde a peça de mistura fica inclinada e permite uma mistura mais eficiente. “Já tenho 10 animais com 60 quilos prontos para o mercado”, comemora.

Água

Com o poço em pleno funcionamento e a produção rotativa de goiaba, jerimun, macaxeira junto com a produção de banana, Malagueta já prevê o que pode fazer com a água do cacimbão interditado. “Já ouvi falar na criação de peixe e tô pensando em tentar em fazer aqui também”, disse o produtor animado com o que já vem conhecendo, também, sobre o manejo na produção da banana, a forma correta do corte da planta depois da colheita e mostrando que os tempos difíceis foram de aprendizado e crescimento ligando a máquina que abastece a plantação de mamão e água jorrando pura. “Olhe…e isso tudo aqui eu nem fiz análise de solo ainda viu !!!”, conta esperançoso acompanhado do agente rural Cícero Maciel de Lima e da gerente local do escritório da Ematerce Fátima Benício.

A análise do solo das terras de Malagueta e Núbia, segundo Cícero, já estão sendo feitas por um laboratório no município de Tabuleiro do Norte. A assistência técnica do órgão, segundo o produtor, foi muito importante para ter acesso ao crédito bancário, através da DAP (Declaração de Aptidão do Pronaf) e do relacionamento com a gerência do banco. O trabalho no sítio da família foi acompanhado, ainda, pelo coordenador do PAA pela Ematerce Reginaldo Rodrigues Ribeiro e Edna Cleide da Silva, secretária de Agricultura e Meio Ambiente da Prefeitura de Porteiras.

Crescimento

Além do crescimento na produção e comercialização, Malagueta não para de pensar em como melhorar seu trabalho. Além de quase sargento do Exército, o agricultor terminou o curso técnico em contabilidade e já sabe bem manusear os números e os resultados do seu esforço. Junto com a esposa e os dois filhos, José Everton dos Santos (técnico agrícola), 20, e José Evandro dos Santos (técnico em Agroecologia), 26, vai tocando os seus sonhos e realizações.

Com o primeiro filho com o curso técnico agrícola incompleto e o segundo atuando na ACB (Associação das Comunidades de Base), em Porteiras, a família vai se complementando em conhecimento, esforço e vontade de acertar.

A única conta que Malagueta ainda não sabe fazer bem é o tempo de casado com Núbia. “Eita, agora você me pegou. Eu mal dou conta de deixar essas produções todas aqui, é trabalho muito, com essas contas não sou bom não, mas sei que é muito tempo”, diz sorrindo o produtor. Em 23 de abril próximo serão 35 anos de casados.

Assistência técnica garante melhores produções

Nos últimos seis anos, o Estado do Ceará foi acometido por uma das maiores secas, em anos consecutivas, desde o período de 1979-1983. Diferentemente do período passado, destaca-se a grande redução dos impactos, não só no meio rural, como nos centros urbanos de todos os municípios, onde foi possível abastecer o mercado local com uma produção oriunda dos agricultores familiares cearenses.

Durante todos esses anos em situações de seca, a produção agrícola foi capaz de sustentar as famílias rurais e mantê-las no seu próprio habitat, impedindo o êxito para os grandes centros, como verificado em épocas anteriores.

Isto é fruto do resultado do trabalho de uma Assistência Técnica e Extensão Rural de qualidade prestada pela Ematerce. A resposta a uma educação agrícola, voltada para o semiárido é vista como o resultado de anos de trabalho desta instituição, que vem ao longo do tempo (64 anos) sendo executada, com o apoio dos tomadores de decisão, em conjunto com a introdução de políticas públicas acertadas e focadas na convivência com o semiárido.

Confirmando o exemplo exitoso na comunidade Agrestinho Barra Sabão, de propriedade do agropecuarista Antônio Malaquias, no município de Porteiras, extremo sul do Ceará, transcrevemos abaixo os resultados obtidos com as culturas agrícolas irrigadas e com a suinocultura, pelos agricultores familiares assistidos pela Ematerce, em todo o Estado.

Dados de algumas culturas irrigadas e suinocultura

RESULTADOS OBTIDOS EM 2017, PELOS AGRICULTORES FAMILIARES ASSISTIDOS PELA EMATERCE, EM TODOS O ESTADO

BANANA DE MESA E PARA A INDÚSTRIA

349 agricultores assistidos

489,5 hectares plantados

9.777.727 kg – produção obtida

22.341,33 kg/hectares – produtividade média

GOIABA

74 produtores assistidos

50,55 hectares plantados

646.616 quilos- produção obtida

13.499,29 quilos/hectares- produtividade.

MAMÃO

65 produtores assistidos

47,8 hectares- área plantada

729.022 quilos- produção obtida.

27.719,46 quilos/hectare- produtividade.

JERIMUM

35,0 produtores assistidos

33,4 hectares – área plantada

410.000 quilos- produção obtida

14.328,35 quilos/hectare- produtividade

MELANCIA

28 produtores assistidos

28,3 hectares – área plantada

769.541 quilos- produção obtida

27.681,33 quilos/hectare – produtividade.

FEIJÃO VIGNA E VERDE

389 produtores assistidos

433,75 hectares – área plantada

552.954,5 quilos – produção obtida

1.996,78 quilos/ hectare- produtividade.

SUINOCULTURA

5.573 produtores assistidos

52.717 animais – rebanho assistidos

25.819 animais comercializada/consumidas.