Mulheres e Igualdade Racial: pautas ganham reforço no Governo do Ceará
31 de janeiro de 2018 - 15:56 #Ceará transparente #direitos humanos #feminino #igualdade racial #mulheres
Nara Gadelha - Assessoria de Imprensa das Coordenadorias do Gabinete do Governador
Davi Pinheiro e Max Marduque - Fotógrafos
Na última matéria da série Ceará Transparente deste mês, vamos dar destaque às políticas públicas voltadas para mulheres e para a promoção da igualdade racial
Conquistar espaços de poder e de fala é uma luta inerente à trajetória das mulheres. Ao longo da história da humanidade, a figura feminina precisou abrir fendas para que pudesse ganhar voz em uma sociedade arraigada de machismo e misoginia. É percorrendo essa linha do tempo que é possível romper amarras e traçar uma política pública que permita a participação mais efetiva das mulheres em todos os territórios. “Fazer um recorte isolado do hoje é difícil. O momento atual tem uma pauta ligada ao passado e um impacto no futuro. A gente fala de demandas reprimidas, fala do que precisa ser feito para mudar uma realidade na qual ainda somos massacradas e como fazer para que o amanhã seja melhor”, explica Camila Silveira, titular da Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres do Ceará.
Como enfrentar a violência
O viés para esse futuro mais promissor é dar condições para que as mulheres sintam-se amparadas e denunciem casos de violência. A Rede de Enfrentamento à Violência, segundo a coordenadora, é a coluna que dá sustentação às principais ações. Ela é composta por Delegacias de Defesa da Mulher, Centro de Referência da Mulher, Juizado, Ministério Público, Defensoria Pública, Coordenadorias e Secretarias das Mulheres. No ano passado, o Governo do Ceará ampliou as competências das dez Delegacias de Defesa da Mulher (DDM), incluindo em seu rol de atribuições o atendimento à vítima de violência sexual. Com esta medida, fica garantido à vítima atendimento na rede especializada, com acolhimento e encaminhamento das denúncias de forma célere e eficaz.
Camila relembra que há um esforço para a ampliação desses serviços não só para Fortaleza, mas também para outros municípios. “Existe uma preocupação porque há peculiaridade no Interior. Isso engloba o distanciamento e algumas características específicas. Não podemos isolar, por exemplo, a demanda mundana. A cisterna, a creche, a escola, a autonomia econômica: tudo isso tem um impacto considerável no modo de vida dessas mulheres, e isso também é levado em conta”, alerta.
Fruto de meses de articulação, a Casa da Mulher Brasileira, prevista para inaugurar no primeiro semestre deste ano, será o principal equipamento da Rede de Enfrentamento. O espaço representa uma inovação no atendimento humanizado e integrará em um só lugar os serviços de acolhimento e triagem, apoio psicossocial, promoção de autonomia econômica e espaço para as crianças. A Casa também servirá como central de transportes e de alojamento de passagem para as mulheres vítimas de violência, que terão cuidados específicos desde a alimentação até roupa. “A Casa da Mulher Brasileira nasce para consertar gargalos, como a via-sacra da denúncia, que vai desde o Boletim de Ocorrência até o pedido de medida protetiva. Quando uma mulher é violentada, ela muitas vezes sai com a roupa do corpo e/ou com os filhos nos braços. Queremos dar dignidade a essas mulheres e libertá-las desse processo penoso”.
Unidades Móveis e Caravanas nas Escolas
No âmbito da política de ampliação dos serviços da Rede de Atendimento à Mulher, a Coordenadoria conta com as Unidades Móveis de Acolhimento às Mulheres do Campo, da Floresta e das Águas. Somente em 2017, foram realizadas ações em 31 distritos pertencentes a 16 municípios cearenses, atendendo cerca de 2 mil mulheres que vivem em comunidade rurais afastadas dos centros urbanos. As Unidades Móveis desenvolvem um trabalho desde a prevenção, assistência, encaminhamento e acompanhamento, passando por ações educativas, palestras e distribuição de material informativo sobre a Lei Maria da Penha, possibilitando o acesso com orientação adequada e humanizada.
Já o projeto Caravanas nas Escolas, inédito no Brasil, percorreu 20 unidades de ensino públicas e profissionalizantes de 16 municípios cearenses, orientando aproximadamente de 10 mil jovens. Para Camila, “sabemos o quando é difícil haver uma quebra do machismo e do patriarcado, então a gente faz um exercício conjunto para reafirmar que esses jovens têm potencial para chegar onde quiserem. E o ponto de partida é justamente debater sobre equidade de gênero, sobre desconstrução de padrões, sobre rompimento de barreiras”,
O levante feminino
O aumento do número de denúncias de violência contra às mulheres chama a atenção da coordenadora. Em 2016, foram registrados 10.995 Boletins de Ocorrência dessa natureza. Até outubro de 2017, as delegacias especializadas fizeram 11.225 registros. Dos dados retira-se uma análise importante, que é o fato das mulheres estarem mais seguras e esclarecidas quanto aos seus direitos e as raízes das infrações cometidas. “A partir do momento em que a sociedade dá essa oportunidade, essa segurança de um trabalho sério que está sendo desenvolvido pelos entes públicos, há um número maior de mulheres que se sentem encorajadas a denunciar. Elas se sentem mais empoderadas. Então, a partir daí podemos identificar onde, como e por quem estão sendo violentadas e tomar as medidas cabíveis para a punição dos agressores”, analisa.
Os locais e o perfil dos potenciais agressores são os principais alvos que precisam ser desmistificados. A maior parte da violência, explica Camila, vem do próprio ambiente familiar; os principais agressores, portanto, são parentes próximos ou conhecidos. “Há violência em carnavais, em bares, nas ruas, mas a grande massa de abusos acontece dentro do seio familiar, longe dos olhos de todos nós. Somos todos responsáveis enquanto sociedade”.
Ao pensar e desenhar as políticas públicas para os próximos anos, a Coordenadoria finca seus propósitos em deixar um legado por meio de uma política de governo e não somente de gestão. Desafios como a consolidação do eixo de enfrentamento, o fomento da participação politica e social de mulheres através de projetos que desenvolvam a autonomia econômica por meio de capacitações são alguns dos focos para este ano. “Eu tenho a plena convicção de que o Governo sabe como executar essas políticas e está empenhado em construir um Ceará mais igualitário. E posso afirmar que mais do que construir delegacias, sonhamos com o momento em que não precisaremos mais delas”, conclui a titular.
Igualdade racial
“A escravidão, e não a corrupção, define a sociedade brasileira”. A frase do sociólogo Jessé de Souza pode soar incômoda, mas explica como a escravidão, enquanto prática social, tornou-se elemento definidor das relações. O pensamento de Jessé é o ponto de partida para que a coordenadora Especial de Políticas Públicas para a Igualdade Racial do Governo do Ceará, Zelma Madeira, contextualize os projetos desenvolvidos pela coordenadoria. A escravidão, ensina a titular, tem sua especificidade, pois deitou raízes e deixou consequências até hoje. “Tivemos um período extenso de escravidão e ficam resquícios, por exemplo, de que os negros são destituídos de uma moral para o trabalho. É preciso enxergar como se opera o preconceito racial e como ele se efetiva na prática cotidiana da discriminação”, analisa.
Saídas para transpor o racismo estrutural
No Brasil, 54% da população brasileira é negra (composta de pretos ou pardos). Entre os mais pobres, três em cada quatro são pessoas negras. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ajudam a entender uma outra pesquisa, dessa vez da ONG britânia Oxfam, que revela que apenas em 2089, ou seja, daqui a 71 anos, brancos e negros terão uma renda equivalente aqui no País. Diante desse abismo social, Zelma explica que é necessário mergulhar em todas as estruturas da sociedade a fim de fortalecer o enfrentamento ao racismo. Um passo importante vem por meio das ações afirmativas. No início de 2017, o Governo do Ceará sancionou a lei nº 16.197, que institui o sistema de cotas nas instituições de ensino superior do Estado, destinando no mínimo de 50% de vagas para alunos que comprovem ter cursado integralmente o Ensino Médio em escolas públicas municipais ou estaduais. Também no ano passado, a Coordenadoria realizou conferências em oito macrorregionais do Ceará, contabilizando a participação de mais de 1.200 participantes em 70 municípios.
A IV Conferência Estadual de Promoção da Igualdade Racial, realizada no mês de novembro, em Fortaleza, reuniu mais de 300 pessoas, incluindo delegados eleitos nas etapas macrorregionais, que elaboraram propostas para o Plano Estadual de Promoção da Igualdade Racial.
A complexidade da igualdade racial
Além da população negra, a Coordenadoria também expande suas atividades para outro grupo importante, que são os Povos de Comunidades Tradicionais (quilombolas, ciganos, povos de terreiro e indígenas). Por meio da articulação da Coordenadoria, em setembro do ano passado o Ceará presenciou um marco histórico. Após mais de 20 anos desde o seu início, o processo de demarcação das Terras Tapeba, no Ceará, alcançou a conquista decisiva. O Ministério da Justiça declarou a posse permanente da terra ao povo indígena. O espaço conta com com superfície aproximada de 5.294 hectares e perímetro também aproximado de 99 quilômetros. “É uma grande referência para uma etnia e ter uma afirmação positiva de uma identidade étnica. Nós fazemos parte de um comitê que trata do acordo de cada cláusula da demarcação, e sabemos que o processo ainda requer garantia de outras frentes”, diz Zelma. Presentes em 20 municípios, os quilombolas participam da pauta propositiva da Coordenadoria. Seminários no interior do Estado possibilitam um diálogo construtivista sobre políticas públicas de etnodesenvolvimento, ou seja, propostas direcionadas para o crescimento econômico dessa fatia da população.
Os povos de terreiro, alvos constante de racismo religioso, também ganham espaço na política de transversalidade, com a participação em eventos que abordam a diversidade religiosa, seus conflitos e as formas de superação. “Não tem problema ser diferente, mas o problema é escalonar e hierarquizar a vulnerabilidade, seja qualquer um desses grupos com os quais trabalhamos. Temos uma diferença de riquezas e diversificação culturais, um caldo cultural que exige mudança de paradigmas”, acrescenta.
O que está traçado
Fruto de convênio com o Governo Federal, o projeto Mulheres, identidades, Saberes e Sabores do Ceará é uma das propostas inovadoras aguardadas com expectativa pela coordenadora. O objetivo é realizar formação política e profissional sobre a diversidade da culinária afro e indígena para mulheres negras, indígenas, quilombolas, de terreiro. Também está em fase de elaboração, em parceria com a Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA), um programa de formação em políticas públicas intersetoriais de desenvolvimento rural sustentável e de superação da pobreza. Zelma também adianta que, ainda no primeiro semestre, será assinada a Adesão ao Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial e inaugurada a Reserva Indígena Taba dos Anacé, articulada pelo Grupo de Trabalho coordenado pela Coordenadoria para a Promoção da Igualdade Racial do Ceará. “Vamos estimular que os municípios do Ceará tenham órgãos dentro das estruturas de governo, além da implantação de conselhos. A política é muito nova e ainda não tem tanta capilaridade no interior do Estado. Já criamos o Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial para termos um olhar a lugares específicos de desvantagem, como presídios e sistemas socioeducacionais”.
Veja as duas primeiras matérias da série Ceará Transparente deste mês:
• Democracia: Governo do Ceará fortalece política pública dos direitos humanos