A casa de avó que já mudou milhares de vidas
21 de novembro de 2019 - 15:59
Fhilipe Augusto Texto
Davi Pinheiro Fotos
Regina Barbosa já acolheu mais de 30 mil crianças e jovens em sua instituição, a Casa de Vovó Dedé, durante quase três décadas. Ela é uma das personalidades que receberão no próximo dia 29 de novembro a Medalha da Abolição, maior honraria concedida pelo Governo do Ceará
De voz mansa e olhar cativante, uma maranhense vem fazendo história no Ceará ao longo das últimas décadas ao propiciar – sem buscar retorno financeiro – qualificação, carinho e atenção a crianças e jovens carentes de Fortaleza, pelo simples fato de acreditar que sua história de vida neste mundo deve ser escrita dessa maneira. Esta é Regina Marta Albuquerque Barbosa (75), uma das homenageadas pelo Governo do Ceará com a Medalha da Abolição, maior honraria concedida pelo Estado.
Natural de São Luís (MA), Regina veio para Fortaleza ainda criança. Aos 15 anos conheceu Mansueto Barbosa, com quem se casou e teve quatro filhos, que futuramente lhes deram sete netos e três bisnetos. Em 1993, ao lado de seu falecido marido, ela fundou a Casa de Vovó Dedé, instituição sem fins lucrativos localizada na Barra do Ceará, que tem como objetivo promover o desenvolvimento humano, pessoal e profissional, por meio da arte, cultura e educação, de crianças e jovens, entre seis e 29 anos, que se encontram em situação de vulnerabilidade social. O nome é em alusão a uma “mãe de coração” de Regina, mineira, que também possuía trabalho social.
Sua história de amor à música e dedicação ao próximo surgiu quando ainda era criança. Mesmo sem ter ninguém para ensiná-la, dona Regina começou a desbravar o mundo da música sozinha, impressionando aqueles que no dia a dia iam conhecendo suas habilidades. “Com sete anos comecei a tocar sem estudar (música). Tocava acordeon, piano, foi daí que minha mãe me colocou no conservatório e fui desenvolvendo a arte musical”, disse a autodidata, que até hoje participa dos trabalhos na Casa de Vovó Dedé dando aulas de pianos e acordeom.
Junto com o talento para a música nascia também a vontade de contribuir para melhorar a vida dos mais necessitados. “Desde criança tinha essa inclinação, essa vontade de ajudar. Posso até dizer que foi se tornando um ideal para não passar a vida em branco. Achava que a gente tinha que escrever uma história e eu queria que a minha história fosse assim. Cedo mesmo comecei meus trabalhos sociais, ensinando crianças sem cobrar (dinheiro) nas periferias. Eu ia procurando os lugares onde pudesse servir. Posso dizer que a minha vida foi só isso. Nunca tive vontade de viajar, passear, ir a festas, inclusive isso contrariava muitas vezes meus familiares”, confidencia Regina.
Acolhimento
Só na instituição que fundou com o marido, mais de 30 mil pessoas já foram atendidas nesses 26 anos. Atualmente, a Casa de Vovó Dedé acolhe mais de 1.400 crianças e jovens em projetos, oficinas e cursos nas áreas de música, tecnologia e cultura. No início, o projeto era voltado apenas para a educação de crianças não escolarizadas, devido à grande carência de escolas da comunidade. “Quando eu vim aqui me impressionei com a necessidade. Nós tínhamos esse terreno e pensávamos em vender, foi quando meu filho Wagner teve a ideia da gente construir uma escolinha para crianças. Foi daí que nós fizemos uma escola de educação infantil e educação fundamental para crianças fora de faixa que não tinham sido alfabetizadas e fizemos isso durante nove anos”, conta dona Regina.
Após o falecimento de Mansueto Barbosa foi que surgiu a ideia de inserir o aprendizado da música no projeto. “Quando o Mansueto faleceu eu fiquei com a estrutura da escola. Tinha uma criança que eu admirava, porque ela cantava, estava sempre participando das festinhas e eu me encantei com ela, então não fechei a escola. Com dois dias que ele (Mansueto) tinha falecido eu trouxe meu piano e comecei a dar aula e fiquei 12 anos sozinha. Comecei com essa criança e de repente eu tinha 40, 50 crianças, aí fui comprar mais instrumentos e fui abrindo as oficinas”, explica a homenageada como a Casa Vovó Dedé foi expandindo seu campo de atuação junto à comunidade.
Mesmo conseguindo atender uma quantidade grande de pessoas com a instituição, dona Regina sonha com o dia em que iniciativas do tipo possam se tornar corriqueiras em todas as partes da cidade. “Essas crianças vencem todas as dificuldades, são meninos maravilhosos, inteligentes, amorosos. Eles têm muito a dar. O meu desejo é que em todos os bairros tivesse uma Casa de Vovó Dedé. Não acho que fiz nada demais, só fiz a minha obrigação e cumpri com o meu dever de cidadã. Essas crianças que não podem pagar um conservatório elas têm que ter uma Casa de Vovó Dedé. Pena que só tem uma. Se todos fizerem sua parte é possível a gente reverter isso. Tem muita criança precisando e muito talento”, deseja a benfeitora.
Para ela, mais importante do que ensinar um ofício ou tocar um instrumento é ajudar na composição do caráter de cada um. “Acho que o mais importante é formar cidadãos honestos, trabalhadores, sinceros e leais. Por exemplo, esse aqui que você viu tocando, eu pago colégio, inglês, ou seja, é igual à casa de vó. A gente pega a criança e vai até onde pode”, declara.
Homenagem
O reconhecimento a esse trabalho iniciado há quase três décadas vem aparecendo de diversas maneiras para dona Regina. O modo como o Governo do Ceará achou para demonstrar isso foi a escolhendo para ser uma das agraciadas com a Medalha da Abolição em 2019. Com muita humildade, a fundadora da Casa de Vovó Dedé disse que para retribuir tal honraria vai trabalhar para ajudar o próximo enquanto tiver condições. “Será que estou à altura de receber essa medalha? Tenho feito essa pergunta. Então, como é que vou agradecer isso? É trabalhando mais e mais. É o que pretendo fazer. Estou com 75 anos e enquanto eu estiver em pé e puder vou dar aula”, comprometendo-se a seguir contribuindo com os que mais necessitam.
Dona Regina finaliza reforçando que tudo que fez e faz é com o coração. “Eu amo a música e vivi para ela. Apesar de ter ficado surda, quando voltei a ouvir após minha cirurgia pensei: ‘quero ensinar música para as crianças que não podem pagar. Quero fazer alguma coisa e quero escrever essa história com a música’. A música, das artes, acho que é a que mais aproxima a criatura do criador. É uma coisa maravilhosa. Resumo tudo na palavra amor, porque se você ama, você faz. É por amor que estou aqui e me apaixono pelas crianças todo dia”.
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